Entrevista: Márcio Palma

Márcio Palma, técnico-adjunto do RFS Futsal (Letónia)

O futsal sempre fez parte da tua vida. Podes partilhar como tudo começou e quem foram as principais influências na tua carreira nos primeiros anos?

“Desde os tempos do ensino básico, o futsal esteve presente na minha vida. Foi através do incentivo dos amigos Bruno Martins e Pedro Laginha que me juntei aos “Falcões” e, em 1997, dei início a um longo percurso como atleta federado na modalidade. Já em 2007, o convite do Dr. Jorge Aleixo e a oportunidade para dar os primeiros passos como treinador. Desde então, percebi a satisfação que sentia na função, o que me motivou a continuar. Durante algumas épocas, pelas mãos do Sr. João Borges, integrei a formação do C.D. Boliqueime, e em 2010, assumi pela primeira vez uma equipa sénior, que competia no campeonato INATEL. No ano seguinte, embarcamos num percurso de três épocas no campeonato distrital da A.F. Algarve. Com ajuda do Sr. João Melo, seguiram-se dois anos com os juniores da J.S. Campinense e, em 2016 regressei ao Louletano, agora à frente da equipa sénior. O que não imaginava era que, pouco tempo depois, estaria inserido num contexto profissional, como treinador adjunto do Portimonense na Liga Placard. Após três épocas, regressei ao Louletano, até que surgiu uma nova oportunidade de integrar no alto rendimento, agora no RFS Futsal, da Letónia. Ao longo dos anos, fui somando as minhas referências através de formações, cursos, palestras e conversas informais. Busquei conhecimento e inovação junto de treinadores e jogadores por todo o país e no estrangeiro, absorvendo experiências de quem já havia percorrido o caminho que eu queria seguir, para assim cometer menos erros. Desde o início, “Miki” Eduardo Belda e Manolo Peris foram aqueles que se tornaram influências, pois identifiquei- me com as suas ideias, clareza na comunicação, empatia e mais tarde, com a relação genuína que desenvolvemos.”

Treinaste em clubes algarvios e mais tarde também os treinaste, como é que te prepararam para o nível profissional?

“Eu creio que, o facto de ter sido jogador da modalidade facilitou de alguma forma quando posteriormente assumi a função de treinador. Como jogador, desenvolvemos uma compreensão mais profunda do jogo e da cultura do futsal na região, o que mais tarde ajuda a aprimorar a leitura dos diferentes momentos do mesmo. No entanto, quando passamos para o papel de treinador, os desafios mudam, a gestão de grupo e a adaptação aos diferentes perfis de jogadores tornam-se aspetos fundamentais. Ter vivido momentos no C.D. Boliqueime, onde a união e a amizade eram genuínas, experienciar a grandeza das condições acima da média no Louletano e estar inserido em ambientes altamente competitivos, como no diferenciado Albufeira Futsal e no grande Portimonense, onde a superação constante é uma exigência, ensinou-me a importância da preparação minuciosa, do planeamento detalhado e da capacidade de adaptação a diferentes contextos. Cada etapa do percurso é essencial para o crescimento, e toda a experiência acumulada contribui para uma melhor compreensão das exigências do alto rendimento. No entanto, ainda existe uma grande diferença nos vários patamares de competição, entre o contexto amador e o profissional, onde o objetivo é indiscutivelmente, ganhar.”

Tiveste uma carreira interessante, com passagens por vários clubes algarvios e, agora, estás na Letónia. Como é que se deu essa transição?

“Ninguém constrói nada sozinho, são as pessoas que movem tudo, e sempre acreditei que, além da organização e do empenho nas funções que desempenho nos clubes, é fundamental cultivar e manter relacionamentos genuínos, a longo prazo isso é recompensado com confiança. Foi exatamente dessa forma que, através do Mister Pedro Moreira, com quem trabalhei no Portimonense, surgiu o contacto com o “pai” do futsal português, Orlando Duarte. Ele apresentou-me o projeto e a realidade que nos esperava, permitindo-nos avançar com segurança nesta nova etapa.”

Acredito que foram muitas as diferenças que esta mudança trouxe, como tem sido a experiência até agora?

“Sem dúvida, esta mudança trouxe muitas diferenças, desde a cultura desportiva até à metodologia de treino. Adaptar-me a um novo país implica compreender diferentes estilos de jogo, dinâmicas de trabalho e, claro, mentalidades distintas tanto dentro como fora de campo. Riga é uma cidade bastante segura, e a comunicação tem sido facilitada pelo facto de muitas pessoas falarem inglês. O RFS Futsal tem sido exemplar no apoio, proporcionando todas as condições necessárias para que me sinta confortável em cada momento. Tem sido uma experiência extremamente enriquecedora, tanto a nível profissional como pessoal. Trabalhar num contexto internacional tem-me desafiado a evoluir como treinador, a encontrar novas soluções e a expandir a minha visão sobre o futsal. No geral, tem sido um processo de grande crescimento.”

Fala-nos um pouco sobre o teu mais recente título. Qual foi a sensação de vencer logo na primeira época fora de Portugal?

“Neste contexto, o que valida todo o trabalho são as vitórias. Muitas vezes, realizam-se grandes trabalhos sem que se consiga ganhar, por isso, conquistar um título logo na primeira época fora de Portugal foi uma sensação de objetivo cumprido. Valorizo imensamente esta conquista, pois representa inúmeras horas de trabalho, superação e dedicação, tudo isto enquanto me adaptava a um novo contexto. Por essa razão, considero que este título é muito merecido para todos os elementos deste clube, cada qual pelas suas próprias motivações e sacrifícios. Quando sais do teu paradigma, apenas tu sabes as dificuldades que enfrentas, então quando és recompensado com uma premiação como esta, é um alento e uma força extra para a restante época.”

Quando olhas para trás, qual foi o momento da tua carreira que mais te marcou até hoje?

“Cada etapa nos diferentes clubes pelos quais passei teve a sua importância quer tenham sido de tristeza ou de alegria, e na verdade, foram mais as vezes que perdi do que as que ganhei. As recordações de vários momentos são impossíveis de diferenciar, desde os trabalhos com a formação, onde tive a sorte de ter grupos de pais e miúdos fantásticos quer no Louletano quer no Boliqueime, era um gosto ir para os jogos e viver aquele ambiente. No C.D.Boliqueime, já na equipa sénior, todo o envolvimento e paixão com o Paulo “Pisco” juntamente com o diretor desportivo Ricardo Cavaco que juntos fazíamos os impossíveis para tudo estar organizado. No Louletano com uma equipa técnica muito competente, Ivan Caetano, André Ferreira e Pedro Laginha que me suportaram em todos os momentos, um plantel muito jovem, que acreditou bastante no meu trabalho, apresentámos muita qualidade e consistência nos jogos, conseguíamos por essa razão atraír mais gente ao pavilhão e com distinção conseguimos a subida de divisão. Já no Portimonense onde atingimos a meia-final da taça de Portugal, garantimos manutenção, apuramento para taça da Liga e Playoff, foram épocas de muita aprendizagem, conheci pessoas extraordinárias, uma equipa repleta de valores durante os vários anos, Wendell, Paulinho Rocha, Junior, Divanei, Miranda, Gutta, Caio, um capitão exemplar como o Filipinho e um talentoso Rochato juntos vivemos momentos inesquecíveis. Por fim, nestas duas últimas épocas também em Loulé, onde trabalhei com bastante agrado e satisfação com alguns dos melhores jogadores da região, no entanto fica a tristeza porque acabei por não conseguir manter a equipa nos nacionais e na seguinte temporada acabo por sair do clube, relembro o incansável João P. Horta na organização de toda a logística, a Ana Martins, o Gonçalo Sousa, o Carlos Alvino e o Pedro Guerreiro com os quais aprendi mais do que eles ainda hoje imaginam. No entanto, creio que este momento atual, pela dificuldade emocional que representa estar aqui, considerando tudo o que é inerente e todo o desenvolvimento que traz, é até hoje o mais marcante.”

O futsal, como qualquer modalidade, tem os seus altos e baixos. Houve algum momento em que pensaste em desistir? Como conseguiste ultrapassar essas dificuldades?

“O fim de ciclo em cada um dos clubes por onde passei deixa sempre uma marca, e houve momentos que realmente me fizeram refletir. Com o passar dos anos, percebo que nada é tão ruim quanto parece no imediato, mas isso não diminui a intensidade dos momentos de tristeza ou alegria. O importante é entender que nenhum deles durará para sempre. Coloco em primeiro lugar o compromisso que tenho com aqueles que acreditam em mim e, por conseguinte, a consciência de que entreguei o melhor trabalho possível. É assim que consigo superar os piores momentos.”

O que podemos esperar do Márcio Palma nos próximos anos? Tens algum objetivo ou sonho que gostarias de alcançar na tua carreira?

“Conheço bem a realidade desta modalidade, para seguir nestes patamares, é necessário abrir mão de muitas outras coisas, é um caminho repleto de decisões. Reconheço também as minhas dificuldades e fragilidades, e trabalho constantemente nelas. Valorizo bastante cada momento, por essa razão procuro não criar muitas expectativas do que me possa faltar, porque sei que se for pensar no que falta, vai sempre faltar alguma coisa. Compreendo que devemos perseguir objetivos e sonhos, pois só isso nos dá sentido, no entanto, esforço-me para não esquecer o que já tenho e focar-me nisso. Seria interessante, no futuro, ver um crescimento na nossa região para conseguirmos novamente um lugar na Liga Placard com uma equipa do Algarve.”

Para terminar, que mensagem gostarias de deixar aos jovens que sonham seguir uma carreira no futsal?

“Ainda estou no início desta trajetória e tenho muito a aprender. Cometo muitos erros, portanto, estou longe de ter a experiência necessária para oferecer respostas, ensinamentos ou conselhos aos mais jovens. Sei que desfrutar do que fazemos nos traz uma felicidade imensa, por isso, ter a paixão como o Nuno Silva em estruturar o Quarteira Futsal deve ser indissociável. É preciso ter coragem para tomar decisões, falar sempre a verdade e não nos desviarmos dos nossos valores e da ética, ser genuíno como o Mister Rosa Coutinho que mantém o Albufeira Futsal nos nacionais ano após ano. Devemos investir na comunicação, confiar em nós mesmos e se não for o teu momento de liderar, aproxima-te de quem te pode conduzir na direção certa. Apesar, do nosso Algarve estar distante dos grande palcos competitivos, é possível ir mais além, temos inúmeros exemplos, treinadores como o Luís Conceição no patamar de excelência de Seleção Nacional, jogadores como o Pedro Cary, Paulinho, Pedro Senra, Henrique Vicente, Lucas Mestre, Miguel Brito entre outros que alcançaram grandes feitos, todos eles estão certamente sempre disponíveis para ajudar e partilhar as suas experiências com qualquer um de nós que assim entenda ser pertinente. Assistam a tantos jogos e treinos quanto possível, partilhem, podemos aprender com todos, lembro-me que, há vários anos, entrei em contacto com o mister Nuno Xabregas e desloquei-me a tavira para assistir os treinos dos Sonâmbulos, posteriormente já ia regularmente a outros pontos do país, dei por mim a viajar para Milão, Madrid e outros tantos lugares distantes, tudo na busca de conhecimento e experiências. Dentro das possibilidades de cada um, subam os vossos degraus e desfrutem.

Não quero terminar sem antes agradecer à A.F. Algarve pela oportunidade de partilhar o meu percurso e por me acompanharem.

Deixo também o meu agradecimento público ao Mister Pedro Moreira, pois foi ele quem me proporcionou as minhas duas experiências no alto rendimento. Sem ele, nada disso teria sido possível.

Ao Dr. Jorge Aleixo, pelas oportunidades no clube da minha terra.

Ao Mister Edgar Caixinha, João Martins, Manolo Pagani e Luís Matias, pelas partilhas constantes e pela parceria nos vários cursos de futsal.

Um muito obrigado a todos os que trabalharam comigo e me deram suporte nos diferentes clubes por onde passei.

E, por fim, à minha mulher e à minha filha, que são quem mais sofre com a minha ausência e, mesmo assim, continuam a apoiar estas aventuras.

Muito obrigado e sintam-se bem-vindos a Riga. Abraço!”